A realidade do mercado de trabalho expõe, diariamente, o quanto o universo corporativo é desafiador para pessoas negras. Por mais que muitas pessoas ainda atribuam a luta contra o racismo, um dos maiores males da história da humanidade, a “vitimismo” ou “oportunismo”, não é preciso ir longe para encontrar casos e estatísticas que comprovam o quanto estamos distantes da promoção de uma cultura de igualdade, equidade e respeito.
De acordo com uma pesquisa recente realizada pelo Grupo Croma, com pouco mais de 1.800 pessoas, 56% dos respondentes acreditam que há preconceito por parte das empresas em contratar negros. No levantamento, 37% disseram que a propaganda no Brasil é racista, enquanto 32% alegaram que as empresas têm comportamentos que ofendem a população negra. 3%, ainda, admitiram que sentem estranheza em serem atendidos por pessoas negras.
Já a pesquisa “Consciência entre Urgências: Pautas e Potências da População Negra no Brasil”, levantamento inédito conduzido pela Mindset-WGSN e pelo Datafolha, mostra que 46% dos participantes (todos, pessoas pretas e pardas), enxergam a colocação profissional como um assunto da mais alta importância e prioridade para pessoas negras. 69% creem que as marcas são oportunistas e superficiais ao tratar da temática e 68% não se sentem representados por elas.
A enquete indicou, inclusive, o racismo estrutural como um dos grandes problemas sociais enfrentados pela população negra – e a ser discutido com absoluta prioridade -, segundo 44% dos entrevistados. Para 19%, é necessário urgência no tratamento de políticas inclusivas e afirmativas.
Saindo um pouco das opiniões e entrando nos fatos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que 64,2% dos trabalhadores desocupados e 66,1% dos profissionais subutilizados são pretos ou pardos. Ainda segundo a entidade, os grupos citados são maioria também na informalidade (47,3% contra 34,6% de brancos).
Dados do estudo “Mulheres e trabalho: breve análise do período 2005-2015″, conduzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), trazem números preocupantes não somente à causa racial, quanto também à luta por equidade de gênero no mercado de trabalho. A pesquisa mostrou que, enquanto as negras recebem um salário médio de R$ 1.027,50, os brancos têm vencimentos na casa dos R$ 2.509,70.
O mercado de trabalho brasileiro é capaz de combater o racismo?
Para Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós consultoria de Sustentabilidade e Diversidade e autora do livro “Como ser um líder inclusivo”, o combate ao racismo passa por um processo de reeducação. “Eu acredito que todo conhecimento, atitude e habilidade de gestão podem ser aprendidos. As pessoas aprendem ao longo da vida muitas coisas. E assim é também com o ser inclusivo. As pessoas podem aprender a se tornarem mais inclusivas. Como? Trabalhando o exercício de técnicas e ferramentas de empatia, diálogo, respeito, entendimento de vieses inconscientes, de mudança de práticas comportamentais para práticas mais inclusivas. Alguns nascem líderes inclusivos, outros se tornam ao longo de seu aprendizado de gestão de equipes”.
Criadora do conceito Diversitywashing – Lavagem da Diversidade e reconhecida como uma das 101 Top Global Diversity and Inclusion Leaders no Diversity & Inclusion Excellence Awards 2019, na Índia, Liliane acrescenta que enxerga nas marcas um trabalho mais agudo para combater atitudes racistas e discriminatórias.
“As empresas têm desenvolvido melhor ações contra preconceitos. Há palestras, workshops, guias de diversidade a oportunidade para trabalhar o ‘diverso’ como prática de gestão. Então, quando falo que segundo o perfil social racial e de Gênero do Instituto Ethos, nas 500 maiores empresas brasileiras só 4,7% dos executivos são negros, já sabemos que nisso temos uma margem de atuação para a construção de planos de ação e plano de desenvolvimento de carreira da base de profissionais negros das organizações, que pode e deve ser feito”, pontua.
A especialista ressalta também a importância das marcas investirem com mais força em sua comunicação interna e externa e adotarem campanhas como a ‘Vidas Negras Importam’, movimento em alta nas redes sociais em defesa à vida da população negra, especialmente após casos como o do americano George Floyd, assassinado por um policial durante uma abordagem, e da jovem Bianca Regina, morta dentro de sua casa durante tiroteio na Cidade de Deus.
Além das notas de repúdio e a missão do RH
Segundo a CEO da Kairós, é essencial que os casos de violência contra os negros sejam repercutidos dentro das empresas. Ela aponta que diversas organizações não só fizeram notas de repúdio e ofereceram sua solidariedade e comunidades e familiares de vítimas, como também cederam sua marca e espaço para a discussão e a propagação de conteúdo, informação e conhecimento relevantes para a luta racial.
“Considero que fazer posts na internet e notas de repúdio representam um importante posicionamento da empresa, porque toda vez que ela faz isso, ela consegue muito apoio de seus seguidores, embora também haja muitas pessoas dizendo que não vão comprar mais dela e coisas do tipo. A gente sabe que hoje em dia os haters agridem organizações que se assumem pró-diversidade, então, acredito que quando a empresa se posiciona num tema polêmico, em particular quando ele acontece e ela sinaliza que ela é pró diversidade, ela faz muito. É um ato de coragem. Além, disso, as empresas estão reforçando sua posição com profissionais negros gravando vídeos sobre como ser antirracista e com a divulgação para colaboradores e público em geral”, salienta.
O estudo “A Importância da Diversidade”, da consultoria McKinsey & Company, mostra que empresas com diversidade étnica têm retorno financeiro até 33% maior do que as organizações que não investem na pluralidade. A democratização hierárquica e racial é uma das mais importante missões dos Recursos Humanos e das lideranças empresariais.
Liliane aponta que a área de RH é o principal elo empresarial na construção de um ambiente de trabalho diverso e inclusivo. A gestora afirma que o segmento é fundamental, inclusive, no processo de mudança de cultura empresarial, no qual sua atuação é determinante para que lideranças desenvolvam mentalidade inclusiva e menos segregatória ou tradicionalista em favor único de pessoas brancas.
“O RH deve estar atento aos processos de contratação, desenvolvimento e retenção dos profissionais, e até à cultura organizacional, já que em algumas empresas é a área de Recursos Humanos que fica responsável pela comunicação e pelas ações de diversidade e inclusão. Se essa área falhar, provavelmente todo o processo falhará. Já se a área progredir, há grandes chances de que o processo de diversidade e inclusão seja exitoso. Porém, lideranças precisam estar alinhadas com a cultura inclusiva”, finaliza.
Por Liliane Rocha
Fonte: RH Pra Você