Muito se fala sobre a dificuldade em promover uma gestão de pessoas efetiva diante de um cenário de pandemia. Com a propagação da Covid-19 ainda em alta (com média de quase mil mortes diárias no Brasil, segundo o consórcio de veículos da imprensa que acompanha os casos por todo o país), as empresas precisaram não só adaptar o seu modelo de trabalho, como também tiveram que desenvolver mecanismos para cuidar da saúde física e mental de sua equipe. Porém, imagine o quanto o desafio é potencializado quando a vítima do vírus é o gestor.
O cenário acima foi enfrentado por Bruno Sindona, fundador da Sindona, empresa imobiliária que tem o propósito de promover mudanças sociais e de vida através da construção. O gestor conta que começou a sentir os sintomas entre o final de fevereiro e o início de março, o que à primeira vista gerou inúmeras preocupações.
“São situações que você não pensa que vai encarar. Primeiro você não acredita que aquilo está acontecendo e, em seguida, precisa trabalhar sua mente para não pensar no pior. E além da própria saúde, o pensamento também se prende no negócio. Com a pandemia você teme perder clientes, se preocupa que a empresa enfrente alguma crise, mas sabe que precisa se manter forte e otimista para que tudo se reerga”, conta.
Sindona revela que o maior desafio para um gestor que não só precisa cuidar de seu negócio em meio à Covid-19, mas também enfrentá-la por si próprio, é não cair em um ciclo de negatividade. “Foi um período difícil, o que me levou a reprocessar. Pensei em como organizar a minha cabeça. Se você entra em um espiral de pensamentos e sensações ruins, a empresa toda também sente esse baque”.
O caminho para superar os obstáculos impostos foi não “abrasileirar” a pandemia, segundo o CEO. Para ele, o brasileiro se acostumou ao convívio com o vírus, por vezes subestimando sua periculosidade.
“Quando você começa a ter uma base maior sobre o panorama que está enfrentando, você entra em uma reconstrução. O Brasil diluiu o trato com a pandemia, o que trouxe muita desinformação. Com calma, reavaliamos e desenvolvemos nossos mecanismos de cuidados e de produtividade. Para pensar no negócio, primeiro pensamos nas pessoas, de funcionários a stakeholders. Entramos em um círculo de ‘all office’, no qual nosso time administrativo pode trabalhar em casa, em viagens, em horários distintos e até mesmo em escritórios. O que for mais cômodo para lidar com esse momento”, explica Sindona.
O executivo levanta, também, que uma das maiores preocupações foi em se digitalizar sem perder nenhum aspecto de humanização. Além disso, a saúde mental, que já era uma das prioridades do negócio, recebeu atenção ainda maior.
“Em homenagem à minha mãe, criamos uma ONG chamada Cris (Comunidade de Ressocialização, Integração e Saber), entidade voltada e levar cursos e qualificação a pessoas mais pobres. É uma ONG para ajudar a base da pirâmide, para cuidar de pessoas. Nada se ganha na força, mas sim na conversa e na humanização. E nessa pandemia, também, nós aprendemos a respeitar ainda mais as individualidades. Meu funcionário de obra não tem o luxo de poder fazer um home office, então nós fazemos de tudo para deixá-lo seguro, tranquilo, cumprindo todos os protocolos e, claro, entendendo suas dificuldades e preocupações”.
Fazer da crise uma oportunidade
Na Send4, startup de tecnologia recentemente vendida à ClearSale, empresa especializada em soluções antifraude, o cofundador e diretor de operações Cristian Trentin conta que, na empresa, o primeiro desafio foi lidar com as incertezas que a fase inicial da pandemia trouxe aos negócios em geral.
“Nossos clientes são varejistas. Logo, pelo cenário que se montava, pensávamos que os perderíamos. Em contrapartida, com o aumento das compras online, o que que é o nosso mercado, ganhamos fôlego em meio à crise, o que de certa forma nos surpreendeu e nos motivou a contratar novas pessoas. O grupo, como um todo, abriu mais de 500 vagas. Na contramão da crise estabelecida pela Covid-19, nós estamos dando oportunidades às pessoas”.
Trentin explica que o grupo entrou em sistema de home office 100%, sendo o principal mecanismo para cuidar da segurança de todos os colaboradores. “Os novos funcionários já entraram no ritmo do trabalho virtual, passando por todo um processo de onboarding online”. O executivo pontua que a liderança se faz presente no digital, com reuniões diárias para entender o que precisa ser feito e quais são as necessidades do time de trabalho.
Segundo o Diretor, é igualmente desafiador encontrar o equilíbrio entre as áreas, uma vez que algumas alcançaram maiores índices de produtividade com o trabalho remoto, enquanto outras ainda estão em adaptação. Por conta disso, o RH se envolveu em uma rotina ainda mais forte de cuidados e atenção às necessidades do time.
“Nosso RH assumiu um cuidado todo especial. Fazemos eventos motivacionais, enviamos kits com presentes à casa dos colaboradores, mandamos comida. Temos funcionários em todas as regiões do Brasil, mas todos recebem a mesma atenção. É um cuidado voltado às pessoas”.
Outro fator de engajamento adotado pela Send4 é a transparência. Cristian conta que semanalmente ocorrem reuniões para falar sobre o atual cenário da empresa. Nem mesmo o fluxo de caixa do negócio é informação que não é compartilhada com os funcionários. Além disso, por já ter um DNA digital, a empresa busca, mesmo à distância, tornar cada colaborador próximo e como peça fundamental do negócio.
“Então, durante o onboarding de cada contratado, diversos ‘rituais’ são exercidos. As pessoas são abraçadas, apresentadas a todo o processo da empresa e tem todo o apoio para se adaptar e se desenvolver”.
A Send4 também se moldou para um trabalho flexível durante a pandemia. Quem não estiver confortável com o home office pode exercer seu trabalho diretamente do escritório, que segue à risca todas as recomendações dos órgãos de saúde. “Aqui dentro, trabalhamos com liberdade, desde que ela venha com responsabilidade”, esclarece o executivo, que acrescenta que ninguém foi dispensado durante a pandemia, uma vez que o momento é de acolhimento.
Momento de aprendizagem
Sabe-se que são diversas as consequências da pandemia e um dos segmentos mais impactados é o empresarial. Mudanças a toque de caixa provocaram a criação de novas formas de atuação e, inclusive, os Departamentos de Recursos Humanos intensificaram as iniciativas, expandindo o olhar para além da execução e intensificando a necessidade de fomentar a aprendizagem.
Nesse contexto, as atenções voltaram-se para o papel da gestão do conhecimento. O momento da pandemia acabou, paradoxalmente, trazendo uma perspectiva nova e positiva em relação ao conhecimento, à informação e ao aprendizado. “Estamos cultivando hábitos mais eficientes no trabalho, o que pode ser observado a partir de uso de ferramentas de conferência que permitiram reuniões mais coletivas, além de uma participação efetiva na construção de ideias e de projetos”, afirma Maurício Pedro, gerente do Atendimento Corporativo do Senac São Paulo.
Nota-se, portanto, uma enorme capacidade humana de adaptação em relação ao meio, incluindo o organizacional. Muitas das ferramentas, se não todas, já estavam disponíveis, mas a pandemia serviu como uma alavanca propulsora do processo de transformação digital. Para o executivo, as pessoas descobriram talentos adormecidos e o isolamento social escancarou a capacidade humana de aprender de forma rápida. E, neste momento, aumentam as possibilidades para as empresas: áreas de treinamento e desenvolvimento têm oportunidade de planejar ações mais assertivas que tragam resultados eficientes para os colaboradores e para a empresa, pois, as pessoas estão motivadas e dispostas a aprender e a se desenvolver.
Afinal, conhecimento é uma necessidade vital e os estímulos acontecem a todo tempo no meio em que estamos. “Quanto mais novidades, novas tecnologias e novos conhecimentos, mais essa premissa é válida. As empresas não só estão nesse meio, como também precisam sobreviver a ele e nele. Manter os investimentos em capacitação dos colaboradores não é uma opção, é uma obrigação para as instituições que querem estar conectadas à realidade e serem contemporâneas”, acrescenta Pedro.
Convivência entre presencial e a distância
A experiência de isolamento social fez as empresas adotarem postura cautelosa com o planejamento financeiro, diminuindo investimentos e cancelando iniciativas, realocando esforços para programas de comunicação, saúde emocional, acolhimento, liderança e uso de tecnologia.
“O que está havendo é uma intensificação da convivência de processos de aprendizagem presencial e a distância. É pouco provável que se torne realidade a migração para apenas meios digitais. Somos seres relacionais, demandamos contato com o outro, inclusive porque aprendemos mais e melhor em grupo, com as experiências dos colegas, dos pares, dos superiores”, finaliza o gerente do Atendimento Corporativo do Senac São Paulo.
Fonte: RH pra você
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