Começar um negócio, qualquer que seja, é uma mistura de coragem, medo e esperança. Embora não se possa garantir o sucesso do empreendimento, a atenção a algumas questões jurídicas facilita o caminho. É sempre importante ter em mente que uma orientação jurídica adequada e prévia pode minimizar os riscos da operação e evitar demandas judiciais desnecessárias no decorrer da vida da sociedade.
Em primeiro lugar é importante entender que a pessoa jurídica é diferente da pessoa física dos sócios. E esta questão tem inúmeros reflexos. Explico. A pessoa jurídica é constituída a partir do registro do seu contrato social na Junta Comercial (caso a atividade seja empresária) ou no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas (caso a atividade não seja própria de empresário). Após o registro, a pessoa jurídica adquire o CNPJ e passa a ter autonomia para agir de forma independente da figura de seus sócios, ou seja, passa a contrair direitos e obrigações em nome próprio.
O nome empresarial é como a empresa se apresenta para o mercado, é o que distingue um negócio do outro e tem abrangência estadual dentro de uma determinada categoria. Assim, não é possível que duas empresas que atuam no mesmo segmento tenham o mesmo nome empresarial porque geraria dúvida no consumidor/cliente sobre com qual empresa ele estaria se relacionando. A exclusividade no uso do nome empresarial pode ser reivindicada pelo titular toda vez que outra empresa utilizar nome semelhante ou idêntico. Merece atenção o fato de que o nome empresarial não é marca. A marca é registrada no INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) e tem abrangência nacional. Vamos falar de marca em uma outra oportunidade.
O contrato social é como se fosse a certidão de nascimento da pessoa jurídica. É o principal documento da sociedade e nele constam, além dos dados da empresa, as cláusulas que regulam a vida da sociedade e a relação entre os sócios. É fundamental que o contrato social seja redigido por um advogado para que todos os aspectos jurídicos relevantes sejam corretamente elencados, por exemplo, quem será o administrador da sociedade, qual sua competência, como se dá a saída de sócios, o que acontece em caso de falecimento dos sócios, o que acontece com as quotas sociais em caso de separação de algum sócio (o ex-cônjuge adquire as cotas e passará a ser sócio?), quando e se um herdeiro do sócio assume a administração da sociedade, enfim.
Esses temas sempre aparecem quando há um conflito societário e é recomendável que todas essas questões estejam claras e estabelecidas entre as partes antes que haja qualquer problema pois, nesse momento delicado, dificilmente as partes irão conseguir chegar a um acordo com relação ao tema em discussão.
É ainda no contrato social que o tipo societário é definido e, embora a grande maioria das sociedades adotem o tipo de sociedade de responsabilidade limitada (a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social) existem também as sociedades simples, comandita por ações, Eireli e sociedade anônima, esta última sendo sociedade de capital.
Vale lembrar que, após a publicação da Lei da Liberdade Econômica -13.784/19 – que alterou o Código Civil, é possível constituir uma sociedade limitada com apenas um sócio, o que não era possível antes da lei. Portanto, agora não é mais necessário colocar aquele sócio com apenas 1% das quotas só para cumprir o requisito anterior da obrigatoriedade da pluralidade de sócios.
A constituição da sociedade também resolve, ou deveria resolver, a questão da confusão patrimonial, ou seja, o que é patrimônio da sociedade e o que é patrimônio pessoal dos sócios. É muito comum que as dívidas pessoais dos sócios sejam pagas com o dinheiro da sociedade. Por exemplo: a empresa paga a escola das crianças; o carro da família é adquirido em nome da empresa; as férias são pagas com cartão corporativo.
A questão da confusão patrimonial sempre foi muito importante, mas somente em 2019 após a publicação da já citada Lei da Liberdade Econômica, é que passamos a ter o conceito de confusão patrimonial expresso no Código Civil. Portanto, tem-se caracterizada a confusão patrimonial quando há o cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; quando existe transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações e outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Nessas hipóteses é possível identificar o desvio da finalidade da empresa podendo ocorrer a descaracterização da personalidade jurídica que nada mais é do que desconsiderar a autonomia da empresa e os sócios passarem a responder com seus bens pessoais por eventuais dívidas da empresa. Esse é um risco da atividade empresária e acontece com mais frequência em demandas trabalhistas e tributárias.
A conclusão a que se chega é que, ao abrir um negócio, o empresário acaba se preocupando somente com as questões operacionais, administrativas, comerciais e até de marketing do negócio e acaba se esquecendo do quanto é importante organizar o aspecto jurídico desde cedo. Todo empresário quer que seu negócio cresça e prospere e, portanto, a segurança jurídica é fundamental.
* Presidente da Comissão de Apoio Jurídico às Micro e Pequenas Empresas da OAB/MG, Advogada de Empresas e Negócios
Fonte: Diário do Comércio