Quando se fala sobre liderança, inevitavelmente um questionamento é feito: ela é uma característica intrínseca ou existe a possibilidade de ser desenvolvida? De acordo com o professor da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) Lauro de Russi, a liderança pode sim ser desenvolvida, a depender da predisposição do indivíduo para aprender tal habilidade.
“A nossa capacidade para aprender habilidades ou competências depende da nossa formação psíquico-emocional, dos contextos em que vivemos, fatores externos e influências. Tudo isso provoca maior facilidade ou dificuldade no aprendizado. Algumas pessoas não precisam se esforçar, outras sim”.
Para o especialista, a atuação de um líder é determinante para definir os rumos tomados por uma organização, uma vez que para as pessoas obterem resultados satisfatórios é necessário alguém que organize, apoie e coordene. “Ninguém faz sucesso sozinho” e, devido à redução da estrutura humana em grande parte das empresas, as pessoas precisam, mais do que nunca, umas das outras, um esforço sinérgico para alcançarem as metas estipuladas pela organização. “A liderança tem papel fundamental em unir a equipe, identificando e distribuindo atividades e desafios com base no potencial e competências de cada uma”.
Todo líder quer ser líder?
Russi orienta os profissionais que visam desenvolver características de liderança ou assumir uma posição de comando a, primeiramente, questionarem: é isso mesmo que desejo? Estou pronto para assumir todas as funções e o papel de um líder?
Se a resposta for afirmativa, o segundo passo é começar a estudar o assunto, por meio de leituras, pesquisas e cursos. O terceiro passo é não perder a oportunidade de candidatar-se a posições de liderança, começando pelo nível mais simples de responsabilidade, e assim adquirir experiência visando, posteriormente, pleitear posições mais elevadas.
Outras características essenciais para quem quer ser líder, segundo o professor, são: ter empatia, capacidade de comunicação (assertiva e não violenta), resiliência para encarar o mundo V.U.C.A. (e também contribuir para tornar a equipe mais resiliente), e saber construir relacionamentos saudáveis e produtivos (com a equipe e demais componentes da organização, e externos).
Visando evitar-se uma costumeira “rotulagem”, o professor divide, resumidamente, os líderes em dois tipos principais: em uma ponta estão os autocráticos; na outra, os democráticos. Entre esses “extremos”, navegam diversos tipos e estilos.
O autocrático tem características muito específicas: é centralizador nas tomadas de decisão, ouve pouco a equipe e, quando o faz, restringe-se a assuntos profissionais, muitas vezes preterindo o lado humano do colaborador. Em algumas situações resiste a trabalhar com colaboradores mais competentes que ele, pois podem fazer “sombra” ameaçando a sua posição. Neste modelo de liderança, a autopromoção é uma busca constante, sendo que as vitórias são sempre de autoria do gestor, porém as derrotas ficam por conta da equipe.
Por outro lado, o líder democrático pratica a gestão participativa ou compartilhada, que se caracteriza por decisões “colegiadas”, envolvendo os membros da equipe. Ouve, por convicção de seu papel, os liderados (incluindo questões da vida extraprofissional) e estimula, apoia e promove o desenvolvimento comportamental e técnico da equipe, diferentemente do autocrático. Em tempos de pandemia, nunca foi tão importante o líder assumir a vertente democrática e desenvolver características que vão bem além das técnicas.
O líder durante e pós-pandemia
Além de todas as habilidades e características já mencionadas pelo professor, outra que ele destaca como fundamental é a capacidade de saber gerenciar pessoas à distância, pois várias organizações já estão praticando o anywhere office e pretendem continuar mesmo após o “fim” da pandemia.
Isto significa que na prática o líder precisa aprender a concentrar-se ainda mais nos indicadores relacionados à eficácia do trabalho das pessoas, reduzindo o seu foco no comportamento delas, visto que à distância fica bem mais difícil avaliar determinados comportamentos e posturas que no modelo presencial eram mais visíveis.
Outra preocupação que o líder deverá ter é quanto ao processo de contratação, que, como as demais atividades, passou a ser todo online, o que exige maior acuidade no momento da avaliação dos requisitos (principalmente comportamentais) dos candidatos. Outro fator a ser levado em conta no processo seletivo é se o candidato aceita (e consegue atuar) em home office, obviamente se este for o modelo definido pela empresa. Mais um grande desafio para o líder será o de promover e contribuir com o engajamento das pessoas na causa da organização, todas estando online.
Saúde mental preocupa
A pandemia trouxe grande destaque à temática da saúde mental. Inúmeras pesquisas elencam que o atual cenário fez crescer os casos de depressão, medo, tristeza e ansiedade nos profissionais brasileiros. Além disso, o país é rankeado como o segundo no mundo no qual mais há incidência de Burnout – atrás apenas do Japão.
Com o aumento dos quadros de doenças emocionais a preocupação das lideranças com a saúde mental dos colaboradores de suas organizações é evidente. Para 49%, a preocupação é alta e para 43%, média: apenas 8% das lideranças têm um nível baixo de preocupação com a saúde mental de seus colaboradores. Os dados são da pesquisa da Amcham Brasil, realizada com 199 lideranças em abril. Para esses executivos, a preocupação com a estabilidade emocional se estende para todos os níveis da organização (45%).
“Sabemos que a saúde mental de boa parte da população brasileira foi muito afetada no último ano. Com isso, transtornos como depressão e ansiedade deixaram de ser assuntos tratados apenas no privado: com a pesquisa, entendemos que o bem estar mental está na prioridade dos gestores e lideranças empresariais. Avançamos alguns passos para naturalizar essas discussões dentro do ambiente de trabalho, sem tabus e pensando no acolhimento das pessoas. Esta tem sido uma pauta recorrente em nossas reuniões entre CEOs e diretores de todo o país”, analisa a CEO da Amcham Brasil, Deborah Vieitas, entidade que representa 33% do PIB brasileiro e a maior Câmara Americana entre 117 existentes fora dos Estados Unidos.
Quando questionados sobre o preparo das lideranças para atuarem como redutores de ansiedade das organizações e indivíduos, a maioria dos gestores apontou que as lideranças estão parcialmente aptas para lidar com esse desafio (62%). Cerca de 20% acreditam que suas lideranças não estão, enquanto 17% responderam que suas lideranças estavam plenamente prontas.
E o que as lideranças precisam fazer frente a tantos desafios de gestão? Para Débora, o caminho é justamente mostrar vulnerabilidade.
“Assumir não ter todas as respostas, aprender com os erros ao invés de condená-los e realizar uma escuta ativa com equipes, parceiros e clientes promove um ambiente mais propício à colaboração e inovação, além de aumentar o potencial de encontrar soluções relevantes para o momento. O acolhimento da vulnerabilidade é um motivador para a performance e para elevar a conexão consigo, com a equipe, com o propósito do negócio e com as necessidades de clientes e sociedade”, explica Deborah Vieitas.
O que é esperado do líder?
A Vittude, startup de psicologia on-line e educação emocional para empresas, realizou em 2021, junto com a Opinion Box, um estudo com mais de mil entrevistados, sendo eles líderes e liderados, que responderam sobre qualidade de vida no trabalho. As projeções começam com o capítulo habilidades de liderança. Na categoria “saber ouvir e oferecer espaço para críticas e sugestões”, 75% dos liderados acham importante, contra 31% dos líderes. Em “saber tomar decisões rápidas”, 62% dos liderados consideram essa ação relevante, contra apenas 19% dos líderes. Além disso, em “ter paciência para ensinar”, 56% dos liderados valorizam essa habilidade, contra apenas 19% dos líderes.
“Esses resultados podem ser um reflexo cultural, em que se tem uma ideia de que líderes devem dar exemplo e serem fortes, mas pode ter um alto custo à saúde mental desse grupo. Por isso, há uma crescente busca nas empresas para oferecer benefícios voltados à terapia para seus colaboradores. Além disso, o ambiente de isolamento torna os seres humanos menos empáticos, então é preciso ter um acompanhamento para os líderes”, destaca Tatiana Pimenta, CEO da Vittude.
Outro dado que chama a atenção é que apenas 6% dos líderes consideram importante mostrar-se vulnerável e humano e 11% avaliam a importância de serem capazes de fornecer feedbacks positivos. Considerando o atual cenário, em que a liderança está sujeita aos desafios impostos pela pandemia da Covid-19, é preocupante ver que estes não percebem a importância da vulnerabilidade inclusive como forma de aproximação de suas equipes.
Em outro capítulo do estudo, chamado habilidades do seu líder, as lideranças se avaliam melhor: 91% dos líderes acreditam saber ouvir e oferecer espaço para críticas e sugestões, mas só 71% dos liderados concordam com essa afirmação. 70% dos liderados acreditam que seu líder dá o exemplo e, por outro lado, 92% dos líderes acreditam que dão o exemplo.
“Nesta parte do estudo fica claro que os líderes não estão em comum acordo com seus times. A pesquisa ainda mostra que 92% dos chefes sentem que dão exemplo, opinião que conta com apenas 70% da afirmação dos liderados. As empresas conseguem resolver essas questões com educação emocional para a alta liderança”, comenta a empresária.
Fonte: RH pra Você