Tema da edição deste ano da pesquisa Carreira dos Sonhos, o senso de pertencimento parece estar em falta em boa parte das empresas. Dos 98 mil respondentes do levantamento realizado pelo Grupo Cia de Talentos, apenas 31% dos jovens sentem que podem ser quem são e expressar suas opiniões sem receio no ambiente de trabalho.
No recorte da liderança, os resultados variam: enquanto sobe para 45% entre a alta liderança, cai para 27% entre a média gestão.
Por “senso de pertencimento”, Danilca Galdini, head de insights e pesquisa do Grupo Cia de Talentos, se refere à “essa sensação de que fazemos parte de algo, de que podemos ser nós mesmos sem medo de receber críticas por conta disso”.
Essa capacidade é entendida como fundamental para a construção de possibilidades de futuros mais plurais e inclusivos – e, por isso, é o tema central do estudo de 2021.
Vale destacar que, em geral, os aspectos que contribuem para a construção desse sentimento precisam ser trabalhados, principalmente entre os jovens e média gestão.
Isso porque, para o fortalecimento dessa sensação de pertencer é importante construir e cultivar um ambiente em que, por exemplo, as pessoas sentem que suas ideias são valorizadas e têm liberdade e autonomia de ação.
Esses dois aspectos, no entanto, são percebidos por poucos colaboradores: só 33% dos jovens disseram que suas ideias são ouvidas e valorizadas no ambiente de trabalho, 28% da média gestão e 47% da alta liderança.
Quando o assunto é autonomia, 23% dos jovens e 23% da média gestão afirmam ter essa liberdade na tomada de decisão, e 45% da alta liderança. Abaixo, confira o resultado para os demais aspectos:
“Sempre os dados da média gestão são os mais baixos de senso de pertencimento, só que essa média gestão é a primeira liderança dos jovens. Se eu estou com baixo engajamento e baixo senso de pertencimento, o que vou transmitir para as outras pessoas? É importante prestarmos atenção no público da média gestão porque ele pode ser o grande mobilizador de engajamento e de motivação ou não”, alerta Sofia Esteves, fundadora e presidente do Conselho do Grupo Cia de Talentos.
Como reverter a situação
Se, de um lado, falta trabalhar essa sensação de pertencer em muitas organizações, por outro, aquelas que conseguem gerar esse sentimento nos seus colaboradores, colhem bons resultados.
A pesquisa mostra que profissionais com senso de pertencimento mais elevado indicam suas empresas com maior frequência para amigos e familiares. Jovens que apresentaram um alto sentimento de fazer parte indicaram 134% mais do que aqueles com baixo pertencimento. O mesmo aparece nas demais camadas: 124% na média gestão e 150% na alta liderança.
Não à toa, organizações com forte Employer Branding, como Ambev e Itaú, foram apontadas como empresas dos sonhos da pesquisa. No painel online do lançamento da Carreira dos Sonhos 2021 que discutiu ações voltadas para esse aspecto, Camilla Tabet, People Design Director da Ambev, destacou a importância de investir na qualidade da relação entre as pessoas.
“É necessário cultivar equipes que se comunicam de forma transparente, na qual existe essa troca sem ansiedade do julgamento e que demonstra muita empatia”, afirma.
Para que isso aconteça, entretanto, faz-se necessário trabalhar a jornada da liderança, de forma que ela acompanhe essa transformação cultural e estimule os colaboradores a contribuírem com ideias, agirem com autonomia e responsabilidade, praticarem a comunicação transparente e assim por diante.
“O líder vai estimular a sonhar grande e dar espaço para que as pessoas sintam que estão impactando positivamente a empresa na construção desse sonho”, diz Camilla.
Da mesma forma, o Itaú Unibanco trabalha essa mudança de mentalidade há algum tempo, ressignificando alguns processos, como o das reuniões.
“Antigamente, se você levava uma ideia e, por alguma razão, não era aprovada ou era modificada, as pessoas encaravam como uma derrota”, explica Sergio Fajerman, Chief People Officer do banco. “Mas isso não é uma derrota, uma reunião é uma construção. Você leva uma ideia, alguém dá outra e as coisas vão se somando. Por isso, a importância das pessoas sentirem que podem dar sua opinião.”
Na lista de ações que colaboram com o maior senso de pertencimento, entram também ações que extrapolam o ambiente de trabalho. As duas empresas tiveram frentes voltadas para a sociedade nesse período de pandemia que ainda vivemos, que vão de doações de álcool em gel e de altos valores para institutos na área de saúde até ajuda à micro, pequenas e médias empresas, além de comunidades carentes.
“Isso causou um efeito muito poderoso dentro do banco, as pessoas se sentiram muito orgulhosas de fazer parte do Itaú nesse momento difícil do país”, conta Sergio que, inclusive, identificou um aumento considerável na métrica de Employee Net Promoter Score (eNPS) no ano passado, passando da média de 70 para 90 durante a pandemia.
E a saúde mental?
Pode parecer que o tema central da pesquisa Carreira dos Sonhos nada tem a ver com uma das principais pautas no último ano, mas se engana quem pensa assim. Para Sofia Esteves e Danilca Galdini, head de insights e pesquisa do Grupo Cia de Talentos, quando uma empresa não trabalha o sentimento de pertencer, ela também está impactando a saúde mental.
“Porque o senso de pertencimento tem uma relevância para essa percepção de vida significativa e para essa percepção de bem-estar”, explica.
“Já tínhamos uma série de ações como meditação, ginástica e terapia, mas, com a pandemia, tivemos que digitalizar o que fazíamos no presencial, reinventar muito processos e trazer uma série de novas ações que, até então, não eram necessárias ou não eram demandadas”, explica Flavio Pesiguelo, Vice-Presidente de Pessoas e Cultura Natura & Co América Latina.
Foi assim que surgiram licenças para qualquer funcionário que precisar se ausentar para cuidar de questões de saúde de pessoas próximas nesse momento difícil, regras sobre horários de reunião e uma ação que foi destacada pela Ambev e pelo Itaú: o novo papel da liderança.
“Acho que um dos principais papeis da liderança hoje é reduzir a ansiedade organizacional, passando tranquilidade para as pessoas, dando direcionamento, criando proximidade, falando o que precisa ser feito e o que não precisa ser feito, explicando no que focar e respeitando as necessidades individuais”, diz Flavio.
Glaucimar Peticov, Diretora Executiva do Bradesco, compartilha dessa visão e entende que todos na empresa estão vivendo esse momento de “desaprender para reaprender”. Nessa linha, vem uma mudança de signos e significados de comportamentos antes naturais no mundo corporativo.
“Não é bonito falar que trabalhei tanto que nem pude ir ao banheiro. Não podemos deixar que isso faça parte da rotina como algo natural”, afirma.
Como forma de guiar esse novo aprendizado, ajudar as pessoas a se adaptarem e, assim, diminuir o estresse, o Bradesco tem investido, de um lado, na capacitação para as funções no mundo digital, de forma que os profissionais não se sintam ansiosos com as demandas do contexto em que a maior parte das transações bancárias são feitas no online.
E, de outro, na promoção do autoconhecimento e do protagonismo. “A organização é um elemento que interfere na saúde mental, mas nós precisamos ser atores também nessa busca de equilíbrio”, explica. Para isso, foram fortalecidas as ações como as dos programas nutricionais e de apoio psicossocial, além de adaptações para o ambiente de trabalho remoto, como as atividades físicas online.
No fim, todas essas empresas ajudam, aos poucos, a mudar o quadro de saúde mental no Brasil. Um quadro no qual, segundo a pesquisa Carreira dos sonhos, metade dos respondentes (entre os jovens um pouco mais que metade) disseram já ter tido algum transtorno emocional e 84% dos jovens passaram por algum transtorno de ansiedade
Como Sofia Esteves, presidente do conselho do Grupo Cia de Talentos, bem coloca “nunca tivemos tantas ações voltadas para engajamento e saúde mental, mas, de alguma forma, não estamos conseguindo comunicá-las de uma forma que as pessoas percebam e se sintam atendidas”.
Olhar para os benchmarks das Empresas dos Sonhos e aprender com algumas das suas boas práticas pode ser um caminho para a transição da teoria para a prática com resultados.
Fonte: Exame