Pesquisa com mais de 700 empresas brasileiras mostra que contratações aumentaram. E a nova geração de líderes quer virar referência e puxar mais mulheres para cima.
A diversidade é um processo em construção. Eu não tinha referência, então me tornei minha própria referência”, diz Ingrid Macelli, que se tornou supervisora de produção na Belgo Bekaert, empresa brasileira de arames de aço, em 2021.
Com 26 anos, Macelli chegou na empresa em 2016 como jovem aprendiz e hoje encara sua primeira posição de liderança com uma equipe de dez pessoas, a maioria homens e mais velhos que ela.
A nova supervisora faz parte de um número crescente de mulheres na liderança de empresas de todos os setores no Brasil. Segundo pesquisa exclusiva da consultoria de recrutamento holandesa Randstad, as contratações de especialistas e líderes saltou de 2020 para 2021: a contratação cresceu 168%.
A pesquisa com mais de 700 empresas brasileiras também mostra um recorte étnico-racial, com um aumento de 115% na contratação de mulheres negras no mesmo período.
Se antes Macelli não encontrou referências para sua carreira, ela agora se posiciona como mentora das jovens aprendizes que entram, em maior número, na indústria.
Na Belgo Bekaert, cerca de 13% do quadro é composto por mulheres. A empresa firmou no ano passado o compromisso de chegar em 30% até 2030. De 2020 a 2021, o número de mulheres na liderança já saltou de 7,9% a 14,4%.
“Eu fujo dos clichês todos os dias. Dentro da minha área, tem homens brancos, negros, mais novos e mais velhos, tenho que ser a melhor líder para cada um deles. Para as aprendizes, eu ensino a acreditar no nosso potencial. É possível estar na metalurgia e não deixar de ser mulher”, diz.
A aceleração de contratações é uma boa notícia, mas o caminho para a equidade ainda é longo. Segundo pesquisa da Bain & Company com o LinkedIn em 2019, apenas 3% dos presidentes e 5% dos presidentes de conselho eram do gênero feminino entre as 250 maiores empresas brasileiras.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 37,4% dos cargos gerenciais existentes em 2019 eram ocupados por mulheres.
Mariana Bonora, diretora executiva da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs) e fundadora da Bart Digital, explica que 30% é a margem “saudável” de representatividade para que mulheres e outros grupos minoritários comecem a ter maior segurança psicológica no ambiente de trabalho.
“No setor de fintechs, o percentual de empresas com diretoras e fundadoras é infinitamente menor. A gente tem visto mais mulheres se estabelecendo no setor e isso atrai ainda mais mulheres, mas há um caminho longo para atingir a igualdade”, diz.
Em sua startup de financiamento digital agrícola, as mulheres compões 60% da equipe, um número alto para o mercado financeiro e de fintechs. Bonora explica que a presença de mais mulheres na liderança e no processo de recrutamento ajuda a retirar vieses na contratação e atrair candidatas. Mas, para ela, os esforços não podem para por aí.
“Vejo muita gente dizendo que contrata mulheres, mas quantas você promove? Elas podem estar te ajudando a executar o trabalho, mas quantas promoveu ou deu mentoria para crescer? É papel das empresas e dos homens estimular isso e como mulheres temos que saber negociar as nossas posições, falar que estamos à altura de um cargo, negociar salários”, diz.
Acelerar a carreira como uma mulher
Para Macelli, dar os primeiros passos como supervisora também significa refletir sobre o tipo de liderança que deseja ser. Com menos referências do topo, esse é um caminho que muitas mulheres buscam para crescer como executivas.
Foi o que Thais Fischberg, vice-presidente de produto da empresa holandesa de tecnologia de pagamentos Adyen, fez ao longo de sua carreira. Buscando trabalhar com produto e tecnologia, uma área ainda em formação quando iniciou sua trajetória na liderança, Fischberg precisou ir atrás de figuras para a guiar.
“Procurei mulheres que me inspiravam para dividir minhas aflições e recebi conselhos incríveis, especialmente para achar minha forma de ser executiva. Não precisava me vestir mais sóbria ou falar de maneira agressiva, fazer aquilo que esperavam de mim. E isso foi uma virada de chave pra mim”, conta.
Ao aceitar o cargo mais alto de produto na Adyen, a executiva conta que a postura da empresa para buscar a equidade de gênero foi parte da decisão. A empresa hoje tem 50% da alta liderança no Brasil composta por mulheres. Para ela, a criação de produtos inovadores da empresa passa pela estratégia de ter times diversos.
Além de acreditar que a diversidade promova a inovação, a executiva recomenda se rodear de pessoas de diversas origens e áreas para também crescer profissionalmente. Fischberg conta que a mistura de diversos conhecimentos a ajudou a ajudou a enxergar novas possibilidades como profissional.
“Converse com as pessoas ao seu lado, busque conselhos. Isso faz a diferença e sem dúvida vai ajudar a alçar novos voos. Não tenha vergonha de mostrar fragilidades. Eu divido com as minhas equipes que faz toda a diferença ter menos vergonha e medo”, diz.
Gerando impacto
Com os desafios que ainda permeiam a trajetória das mulheres no mercado, Cassia Messias, Chief Operating Officer da startup de saúde mental Zenklub, decidiu ocupar seu espaço nas áreas que possuem as menores porcentagens de representação de mulheres e virou empreendedora, investidora e conselheira.
Ela já havia se estabelecido na área de tecnologia, que historicamente tem poucas mulheres, como executiva em mais de 20 anos de carreira na Microsoft, então decidiu partir para o empreendedorismo ao virar sócia da Stilingue, startup que trouxe a interpretação de inteligência artificial para o português.
“Minha família inteira me achou maluca. Mas eu precisava experimentar o ecossistema de inovação. Sem romantismo, esse caminho foi de muitas dores e lágrimas, mas foi a minha escolha e queria ter um protagonismo muito maior, fazer a mudança e ver o impacto social”, diz.
Ao entrar em contato com o ecossistema de startups, ela percebeu que se quisesse fazer parte de uma mudança, deveria também se envolver como investidora e conselheira. Além do cargo no Zenklub, ela é conselheira no Capitalismo Consciente e no Bossa Nova Investimentos e investidora-anjo.
“Tudo nasce no capital e aqui tem muito machismo. A gente precisa incentivar mais mulheres a quebrar o tabu com números, nós mulheres somos muito capazes de lidar com eles. E o que faz a diferença para subir de carreira técnica para a gestão de negócios e ocupar o c-level é saber gerir com números”, diz.
As habilidades da liderança
As três executivas foram contratadas para seus cargos atuais no ano passado e possuem trajetórias que trouxeram muitas lições sobre liderança. Confira as dicas de habilidades relevantes que elas apontaram para ter sucesso e crescer na carreira.
Saiba colaborar:
“A gente vive um momento que a resposta não está na minha cabeça, nem na sua. Brilhante hoje é quem tem a competência de trabalhar bem em grupo, fomentar a diversidade de opiniões e incluir todos no processo de tomada de decisão”, diz Cassia Messias.
Aprenda com o mundo:
“Desde o começo da carreira, independente do seu segmento, entenda o que acontece em volta do seu mundo. Você precisa saber ler o direcionamento e discutir tendências, é uma das coisas mais importantes, pois traz um diferencial do profissional pronto para qualquer transformação. Só saber atuar na sua carreira no mundo em transformação é desvantagem”, diz Thais Fischberg.
Seja antifrágil:
“Ser antifrágil é aprender com os erros. Você pode tropeçar e chorar, mas depois colocar a cabeça no lugar e aprender com os erros. Já me falaram para chorar em casa, mas não tenho problema de chorar na frente de ninguém. Vou enxugar as lágrimas, dar a volta por cima e entregar o melhor resultado”, diz Ingrid Macelli.
Fonte: Exame