Estado concentra a maior parte das reservas nacionais do mineral.
Se, por um lado, Minas Gerais tenta diminuir a dependência pelo minério de ferro, que há décadas dita o ritmo econômico do Estado, por outro, devido às suas próprias características geográficas e históricas, encontra na própria mineração alternativas para um futuro rentável e socioambientalmente responsável. Nióbio, grafeno e lítio estão entre as grandes apostas dos chamados minerais industriais, a partir de suas funcionalidades e potenciais relacionados especialmente às energias renováveis e novas tecnologias.
O lítio, por exemplo, insumo estratégico à cadeia de energia limpa, poderá ter sua demanda mundial multiplicada em 40 vezes até 2040, segundo relatório da Agência Internacional de Energia (AIE). O mineral e seus derivados são matéria-prima essencial para a transição energética – pauta urgente e atual em todo o mundo.
Presente nas baterias de veículos elétricos, de produtos eletroeletrônicos, o metal tem sido alvo de investimentos bilionários em importantes projetos que prometem revolucionar e – literalmente – abastecer o mercado nos próximos anos. Na América Latina, onde está a maior parte das reservas mundiais de lítio, Bolívia, Argentina, Chile e, claro, o Brasil vêm se movimentando para deslanchar a exploração e produção do mineral.
A mais recente sinalização nacional neste sentido ocorreu no início do mês, quando o governo brasileiro publicou decreto que flexibiliza as exportações de lítio do Brasil. A decisão tem potencial de viabilizar mais de R$ 15 bilhões em investimentos na produção do minério até 2030, segundo o Ministério de Minas e Energia.
O lítio interessa a vários países que buscam substitutos do petróleo para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Assim, vem ganhando cada vez mais valor no mercado internacional, com preços oscilando abruptamente em poucos meses. Por isso, e não à toa, já foi batizado de petróleo do futuro ou ouro branco.
A Austrália lidera o ranking de produção mundial, ao lado do Chile. No Brasil, conforme o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), as reservas minerais lavráveis de lítio são da ordem de 48 mil toneladas de óxido de lítio contido, representando 0,33% das reservas mundiais. Enquanto isso, dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS) publicados em 2021 colocam o Brasil como detentor da sétima maior reserva de lítio conhecida no mundo: 95 mil toneladas. Já o total de recursos de lítio no País (que soma as reservas ao total ainda inacessível) está estimado em 470 mil toneladas.
Minas Gerais concentra a maior parte das reservas minerais conhecidas para produção do metal no País e deseja participar ativamente desta transformação. O que não pode fazer, segundo especialistas, é repetir o erro de quase um século e novamente se concentrar apenas na exploração, deixando a manufatura e o valor agregado de lado. Se assim o fizer, estará fadado a buscar, no futuro, um novo substituto para sua economia, como faz agora em relação ao minério de ferro.
Produção de lítio em Minas
O Brasil produz lítio desde 1991, por meio da Companhia Brasileira de Lítio (CBL). Atualmente, apenas duas empresas produzem o mineral no País: a CBL e a AMG Brasil – ambas em Minas Gerais.
A CBL é a única empresa brasileira produtora de carbonato e hidróxido de lítio e conta com uma unidade de mineração em Araçuaí (Vale do Jequitinhonha) e uma planta de processamento químico em Divisa Alegre (Norte de Minas), além de um escritório em São Paulo. A empresa tem 100% de capital nacional e acaba de passar por um processo de desestatização por parte do governo estadual. A participação do Executivo mineiro no ativo, por meio da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), foi arrematada pela Ore Investment por R$ 208 milhões.
Já a AMG Brasil opera um complexo industrial na mina Volta Grande, entre os municípios de Nazareno e São Tiago, na região Central de Minas Gerais, e está investindo na expansão da produção na mina e em uma nova planta química de lítio. Sob aportes de R$ 1,2 bilhão, a unidade de beneficiamento transformará o concentrado em carbonato de lítio, conferindo maior valor agregado ao mineral extraído em terras mineiras. As operações estão previstas para 2026.
Além disso, há várias empresas com projetos de mineração em andamento. Um dos mais promissores também está no Estado e pertence à canadense Sigma Lithium Resources Corporation, que promete produzir 440 mil toneladas de concentrado de lítio grau bateria de alta pureza ao ano no Vale do Jequitinhonha. O empreendimento está sendo implantado em duas etapas, mediante aportes de R$ 2 bilhões. As operações terão início ainda em 2022.
Lítio versus minério de ferro
De acordo com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede), a expectativa quanto ao mercado de lítio é grande. Técnicos da Pasta chegam a classificá-lo como “bem mineral do momento”. Entretanto, ressaltam que a indústria de baterias veiculares de lítio, maior aposta para o segmento nos próximos anos, tem grandes desafios a serem superados. Entre eles, a implementação de estrutura tecnológica, capacitação da mão de obra, legislação, regulação, PD&I, difusão do uso e desenvolvimento de infraestrutura de postos de recarga, etc.
De toda maneira, a produção estadual do lítio vem apresentando forte crescimento e passou da média de 7,3 mil toneladas em 2006 para 67,6 mil toneladas em 2020. Isso significa um salto de 630% entre os períodos. No mesmo intervalo, o valor total comercializado apresentou uma curva de crescimento ainda maior, passando de R$ 4,10 milhões (2006) para R$ 111,2 milhões em 2020. Elevação superior a 2.600%.
Ainda conforme o governo estadual, levando-se em conta a escala de produção atual de lítio, a projeção de exploração do metal é de 80 anos em Minas Gerais. Porém, essa estimativa poderá ser reduzida devido à crescente demanda. Fazendo um comparativo com o minério de ferro, metal mais utilizado no mundo e altamente presente em Minas Gerais (o Estado detém aproximadamente 77% das reservas nacionais), considerando a escala de produção atual, a projeção de exploração do mineral chega a 177 anos.
“A cadeia produtiva do ferro é uma das mais verticalizadas e consolidadas de Minas Gerais, o que não acontece com o lítio, já que existem grandes desafios a ser superados. Atualmente existem no Estado 306 minas ativas de minério de ferro e apenas duas de lítio. Além disso, o valor da produção mineral beneficiada em terras mineiras foi de R$ 134,3 bilhões em 2021. Deste total, o minério de ferro atingiu um montante de R$ 117,8 bilhões (87,74%) e o lítio, R$ 344,3 milhões (0,26%). No primeiro semestre de 2022, a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) do minério de ferro em Minas foi de R$ 1,277 bilhão (90,42% do total), e a arrecadação referente a minério de lítio foi de R$ 6,80 milhões (0,48% do total)”, detalhou a Pasta.
Força da cadeia é fundamental para valor agregado
Diante de tamanho potencial e aposta, especialistas alertam para a necessidade de atrair e reter investimentos na cadeia produtiva como um todo, conferindo maior valor agregado ao mineral. A preocupação se ancora no que ocorreu com o minério de ferro há décadas. Para isso, são necessárias ações para além da mineração, abarcando da lavra ao beneficiamento, da concentração à produção dos sais até o desenvolvimento de tecnologia para as peças das baterias ou outros componentes elétricos.
“Todas as empresas que estão entrando nessa área estão voltadas para a exportação da matéria-prima. Vamos repetir o erro? Exportar pedra e importar baterias caríssimas? Perder toda a geração de valor, pagar fretes altíssimos e sucatear mais uma vez nossa indústria?”, questiona o presidente da Associação dos Engenheiros de Minas do Estado de Minas Gerais (Assemg), João Hilário.
Ele pondera que o capital estrangeiro é bem-vindo, porém, são necessárias iniciativas acerca da produção de riqueza para a origem do mineral. “O lítio é uma nova janela de oportunidade que se abre para a mineração, para o Brasil e especialmente para Minas Gerais. Temos uma indústria automobilística forte no País e as bases necessárias para surfar na onda da transição energética. Já temos investimentos anunciados em fábricas de baterias no Estado, como a Bravo Company, em Nova Lima (RMBH). Precisamos deste tipo de articulação com o envolvimento de todos os atores. Com política de Estado, empresarial, científica e social”, alerta.
O professor de lavra da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) José Margarida da Silva completa que a falta de políticas integradas e a competição capitalista podem dificultar esse processo. Entretanto, cita esforços para conduzir esse tipo de atuação, como estudos e cursos de universidades como a própria Ufop trazendo luz à questão e, ao mesmo tempo, formando mão de obra para colocar o movimento em prática.
“Ainda é cedo para traçarmos um cenário. Não se muda uma base econômica e industrial de uma hora para outra. Mas o contexto vai ajudar o Brasil a deslanchar no segmento, pois temos a matéria-prima em abundância a nosso favor. Porém, precisamos de um diferencial competitivo, para deixarmos de ser seguidores de mercado e nos tornarmos influenciadores de mercado. Potencial temos”, afirma.
O professor do Departamento de Engenharia de Minas da Ufop Hernani Mota de Lima pondera, porém, que esse potencial de desenvolvimento depende dos incentivos à indústria de baterias. “Sem isso, seremos novamente meros exportadores”, diz.
Já o assessor especial do Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais (Sindiextra), Cristiano Parreiras, reforça que a expectativa acerca do potencial da cadeia é muito positiva e que já há, inclusive, estudos para associar o lítio ao nióbio (também presente no Estado) para o desenvolvimento de baterias ainda mais duradouras e eficientes.
Por fim, para o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig), Waldir Salvador, a definição dos integrantes desta cadeia é que vai estabelecer o peso da atividade para a economia mineira. “Quando falamos em diminuir a dependência ou substituir uma atividade temos que considerar todos os aspectos. Ainda não conhecemos em profundidade esse setor. Precisamos entender o potencial de produção, mercados de destino, cotação de preços, empregabilidade, entre outros quesitos importantes. Mas dificilmente o lítio conseguirá fazer essa substituição, dada a força e a representatividade do minério de ferro em Minas Gerais”, conclui.
Fonte: Diário do Comércio