O debate não é novo, mas fica cada vez mais evidente que tanto o modelo atual do capitalismo como o papel das empresas nele inseridas estão mudando de forma acentuada e buscando alternativas.
No último encontro do Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro deste ano, representantes do mundo inteiro reafirmaram o compromisso com o chamado capitalismo das partes interessadas, ou capitalismo consciente, cuja essência destaca que os interesses das empresas precisam estar voltados a cada um que dependa, diretamente ou não, do sucesso delas, sejam acionistas, funcionários, a comunidade local ou outras empresas da cadeia produtiva.
A ideia de melhorar o mundo em que operam, de prover equilíbrio ambiental, de criar valor no longo prazo e de compartilha-lo de maneira justa, se reflete também num clamor crescente dos consumidores, aos quais interessam não apenas a atuação das marcas em seu benefício individual, mas também nos benefícios que promovem para a toda a sociedade.
O período atual de pandemia e de isolamento social somente catalisou e acelerou esse movimento. A cada dia as pessoas passam a analisar mais minuciosamente o comportamento de cada marca e conferir quais delas estão se preocupando, colaborando e atuando efetivamente junto ao seu entorno, e nesse contexto o storytelling dá espaço ao story doing. Notadamente, a preferência passou a ser por aquelas empresas que exercitam a empatia, em detrimento das que falam sobre si próprias ou que tem se beneficiado por ações de influenciadores notadamente vazios, eticamente questionáveis ou pouco comprometidos com o interesse coletivo.
O relatório Edelman Trust Barometer 2020: In Brands We Trust?, sobre a confiança nas marcas e o período de coronavírus, realizada por sondagem online com 12 mil entrevistados, em 12 países, apontou que 1 em cada 3 entrevistados afirma ter convencido outras pessoas a pararem de usar uma marca por considerarem que sua resposta para a pandemia não estava sendo adequada. E 71% afirmam que companhias, que estão colocando seus ganhos acima das pessoas durante essa crise, perderão sua confiança para sempre.
No Brasil, 72% concordam que as marcas desempenham um papel crucial na solução dos desafios que enfrentamos. O mesmo estudo afirma também que os consumidores esperam que o foco das empresas seja em soluções, não em vendas. Além disso, 92% dos brasileiros são favoráveis às marcas se voltarem à produção de produtos que ajudem as pessoas a enfrentar os desafios da pandemia.
Na prática, estamos percebendo que as organizações que não tiverem atitude e não forem autênticas, vão perder força de mercado ou deixarão de existir. Dizer “eu me importo” e agir com verdade e transparência pode ser um desafio, mas também uma grande oportunidade de ganhar a lealdade de um novo consumidor consciente. Desde o início da quarentena, presenciamos comportamentos empáticos de marcas que passaram a usar a estrutura para produzir novos produtos de auxílio à sociedade. Vimos empresas de bebidas e perfumes produzindo álcool em gel, empresas de geladeira fabricando ou consertando respiradores de ar, bancos, empresas de tecnologias e de entretenimento disponibilizando suas plataformas para levar informações, entretenimento e ajuda financeira. Também observamos empresas que se uniram aos concorrentes, nos melhores moldes de cooperação, para apoiar organizações não governamentais ou mesmo criar esforços próprios de doação.
Mas o que está por vir após a crise? O que sabemos é que o hábito de consumo já tem marcas evidentes de transformação. Um exemplo familiar: minha mãe, 72 anos, mal tinha ouvido falar sobre aplicativos de entrega de comida, mas aprendeu a baixar e usar, e tem utilizado pelo seu smartphone desde então. A facilidade de receber os produtos que precisa na segurança de sua casa fará com que ela, certamente, continue com tal comportamento mesmo depois que acabar a quarentena. Quantas pessoas farão o mesmo? A mudança na forma de consumir já foi integrada em nossa nova rotina. Experiências virtuais, a casa assumindo novo significado, novos hobbies, mais vínculo com a família, trabalho remoto e mobilidade transformada são apenas algumas tendências de um caminho sem volta. A transformação não é apenas possível, somos varridos por ela.
Estudos sobre macrotendências pós-crise apontam para o nascimento deste novo consumidor-cidadão, ainda mais conectado e consciente, que levará seus novos hábitos adquiridos durante esse período para o futuro, seja ao incorporar o uso do delivery como a minha mãe, seja fazendo sua própria comida ou comprando de pequenos comerciantes em seu bairro. Pesquisas recentes indicam também um incremento da infidelidade desses consumidores, que estarão cada vez mais abertos a experimentar novas marcas, produtos ou serviços.
Acredito que o melhor caminho para se gerar fidelidade é confiar. E confiança é resultante da empatia obtida pelo o que podemos chamar de vulnerabilidade corporativa: a exposição das nossas verdades, fragilidades, dúvidas e angústias como empresa. A definição de um propósito legítimo e conectado aos pleitos sociais dependerá dessa combinação e será preponderante para o legado e perpetuidade dos negócios. Nesses novos tempos nenhuma empresa poderá ser sustentavelmente melhor do que o ambiente em que atual.
Fonte: RH pra você
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