Nas mãos de um bom líder, uma avaliação de desempenho pode ser uma das ferramentas mais poderosas para uma empresa. O uso assertivo é capaz de aumentar a produtividade, o engajamento, a motivação, a comunicação e o espírito de equipe. Segundo a pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), realizada com mais 150 mil colaboradores de 300 empresas brasileiras, 88% dos respondentes afirmaram que os feedbacks, quando executados de modo satisfatório, realmente têm potencial para melhorar o seu desenvolvimento profissional.
Todavia, claro, há também o efeito oposto. Aqueles que não reconhecem ou não compreendeu o feedback como um recurso de valor à companhia podem, por meio dele, garantir consequências muito negativas ao clima organizacional. Mal realizada, a avaliação de desempenho pode ser interpretada até mesmo como um ataque pessoal.
Como explorar o que há de melhor na ferramenta e torná-la vantajosa para todos os lados envolvidos?
O benefício só aparece se gestores e subordinados verem o feedback como uma oportunidade. “O feedback serve para propor desenvolvimento ao colaborador, para que ele consiga atuar de forma diferente a partir da avaliação, entregar resultados melhores e se desenvolver dentro da empresa”, defende Karina Reis, consultora da Tree Diversidade.
Karina explica que uma avaliação de desempenho justa e bem-estruturada tem por base a exposição pelo gestor de fatos que deixam claras as conquistas do colaborador e as necessidades da empresa que ele eventualmente deixou de atender. Não há espaço para opiniões, generalizações, ambiguidades, nem improvisos. Para fazer uma exposição justa, o gestor precisa ainda realizar uma autoavaliação da sua fala, eliminando dela pré-julgamentos com um olhar crítico sobre os próprios vieses inconscientes.
É nesse sentido que Maria Fernanda Meireles, Head de Pessoas e Cultura da Allya, reforça a importância de não se “cruzar determinadas linhas” que fazem com que o feedback seja desviado de sua real função.
“O limite está realmente em dar opinião. Quando uma pessoa faz isso, ela está colocando seus valores e visão de mundo como se fossem os únicos, e é nesse ponto que o feedback extrapola. Na hora de fazer avaliação, é preciso em primeiro lugar lembrar que as pessoas são diferentes e que o foco da conversa deve ser no comportamento e no impacto disso para a empresa ou situação”.
O fator ansiedade
A reunião de feedback, de acordo com Karina, também precisa seguir um roteiro. Começa com um quebra gelo para deixar gestor e avaliado confortáveis. Depois vem a exposição dos pontos positivos. Só então se detalham as necessidades não atendidas, sempre com base em fatos. O encerramento pode incluir, dependendo do caso, uma proposta de aprimoramento pelo gestor e um debate sobre a estratégia de melhoria com o colaborador.
Se o feedback pode anteceder tanto uma promoção como uma demissão, é natural que ele possa gerar ansiedade em quem o recebe. Nessas horas é importante cultivar uma postura de objetividade e otimismo, diz a especialista. “Uma pessoa otimista é mais propensa a esperar uma promoção ou elogio. Já a negativa se prepara para críticas ou até uma demissão. Independente do seu perfil, o avaliado precisa entender que as expectativas geradas impactam suas reações emocionais no feedback, contanto a favor ou contra”.
A consultora da Tree Diversidade recomenda que, se o avaliado tiver dificuldade em administrar a própria ansiedade e seu feedback ressaltar a necessidade de melhora em vez do bom desempenho, é possível pedir ao gestor um tempo de assimilação e, só então, retomar o diálogo para contrapor a exposição ou debater o aprimoramento.
O cuidado precisa ser ainda mais reforçado durante o período pandêmico. Situações profissionais vivenciadas nos últimos dois anos, como redução salarial, suspensão de contrato e demissões em massa, somadas aos aspectos pessoais, como os casos de contaminação, as mortes, o isolamento social, contribuíram para as pessoas terem sua ansiedade potencializada, assim como os sentimentos de incerteza, de medo, de tristeza e até mesmo a depressão, mais evidentes. Para Maria Fernanda, tornar o feedback mais acolhedor é importante para apoiar as pessoas neste momento tão complexo.
“A pandemia tornou o feedback mais desafiador, principalmente pelas pessoas não estarem presencialmente para ‘sentir o clima’ da empresa. A comunicação a distância acentua muito esses impactos emocionais, que já eram um alerta dentro das empresas antes mesmo da pandemia em 2019. Comunicação é e sempre será um desafio dentro de qualquer empresa, isso porque quando nos comunicamos, as palavras representam apenas 7% da nossa comunicação, ou seja, todo o resto está na linguagem não verbal, que através do monitor isso pode ficar mais imperceptível, levando as pessoas a sentirem esse medo, insegurança, incerteza, e todos os outros aspectos desse momento que estamos vivendo. Por isso, é preciso prestar atenção em como você está se comunicando, em todas as interações que você tem”, esclarece.
Cenário da Covid-19 impacta nas avaliações de desempenho
Segundo o estudo “Avaliações e Feedbacks Formais na Pandemia” conduzido pelo Grupo Talenses, o cenário de pandemia teve impacto no modo como os empregados são avaliados. O levantamento feito com 140 profissionais de Recursos Humanos mostra que 27% das organizações suspenderam as avaliações formais com a chegada da Covid-19.
A pesquisa revela que 55% das empresas mantiveram as avaliações, mas trocaram o formato presencial pelo feedback à distância. Outras 25% mantiveram as avaliações, mas com modificações no tempo das reuniões ou no número de participantes.
O levantamento também aponta que em 41% das empresas os gestores têm reportado mais dificuldade de acompanhar o desenvolvimento dos profissionais por conta do home office. Já 35% afirmam que adotaram novas metodologias de feedback e avaliações formais.
Outro dado importante diz respeito à frequência. Pouco mais de 52% dos entrevistados disseram que os feedbacks são mais frequentes e que os gestores passaram a ter reuniões semanais com suas equipes. Em 22,5% dos casos, os gestores começaram a trabalhar com conversas diárias não somente para avaliar, mas também para identificar as necessidades do time em meio à pandemia. Somente 2,8% afirmaram que as reuniões não estão acontecendo.
Não se limite por um feedback
A Head de Pessoas e Cultura da Allya levanta que os gestores precisam ter consciência do peso de seus discursos. Além disso, é fundamental que haja assertividade e bom senso no trato. “É importante perceber e ter consciência que ninguém faz ‘algo de errado’ com a intenção de fazer, ninguém acorda pela manhã e pensa: ‘O que eu vou fazer de errado hoje no trabalho’”.
Para ela, o responsável pela conversa avaliativa, seja o RH ou uma liderança, precisa se preparar fazendo os seguintes questionamentos:
“Por fim, faça um combinado de um novo comportamento de ação e monitore. As pessoas nem sempre conseguem mudar ou se adaptar da noite para o dia, pois exige que ela transforme um padrão que vem funcionando por muito tempo, e o novo exige mais prática. Cada pessoa tem seu próprio tempo para fazer essa modificação, por isso o acompanhamento é fundamental”, diz Maria Fernanda, que reforça que o feedback deve partir do princípio de ajudar o colaborador a se desenvolver e não de deixá-lo moldado conforme os gostos pessoais do gestor.
Já para Karina, em qualquer situação cabe ao avaliado refletir sobre os fatos expostos, especialmente os pontos a melhorar. “Considere, por exemplo, se em outras situações o desempenho foi melhor, o que pode ter acontecido, como melhorar para atender a expectativa. Também avalie se alguma necessidade sua deixou de ser atendida pela empresa, levando à queda no desempenho”.
Coerente ou não o feedback, o avaliado deve focar no que é pertinente e utilizá-lo a seu favor para crescer. A consultora da Tree Diversidade ressalta ainda que é importante cultivar a autoconfiança para que uma avaliação desfavorável não gere instabilidade emocional, nem comprometa a disposição de crescer, porque feedback negativo nunca é carimbo de mau profissional.
Por Bruno Piai
Fonte: Rh Pra Você