Escassez de talentos e envelhecimento da população ampliam a presença do perfil sênior nas empresas, inclusive em áreas de tecnologia e atendimento
A escassez de talentos e a inversão da pirâmide etária estão impulsionando a presença dos profissionais com mais de 50 anos no mercado de trabalho formal. Com experiência, resiliência e capacidade de adaptação, eles ganham espaço em funções ligadas à tecnologia, ao comercial e ao atendimento, refletindo um movimento mais amplo de valorização da diversidade etária nas empresas.
Se, em um passado não muito distante, eram chamados de velhinhos e considerados carta fora do baralho, os profissionais 50+ hoje estão não só no auge da forma física e intelectual, como também no topo da lista de contratação das mais diversas empresas.
Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2024 revelam que as pessoas com idades entre 40 e 59 anos foram as que mais conquistaram ou mantiveram postos de trabalho formal no setor privado no ano passado.
A faixa etária de 40 a 49 anos acumulou saldo positivo de 491,4 mil postos de trabalho formais, com o maior número de contratações absolutas. Já a faixa de 50 a 59 anos registrou 418,6 mil vagas de emprego, com a maior variação: 7%.
Os jovens de até 29 anos corresponderam a 30,8% do total de vínculos ativos em 2024, somando 14.194.275 vínculos. Em contraste, as faixas etárias de 30 a 59 anos concentraram 64,5% dos vínculos ativos, com um total de 29.735.434 vínculos.
A Rais capta não apenas trabalhadores registrados em carteira, mas também outros tipos de vínculos empregatícios formais, como estatutários, funcionários provisórios ou contratados por tempo determinado, medindo o acumulado até o fim de cada ano.
Para o especialista em longevidade e fundador da SeniorLab, Martin Henkel, a escassez de talentos e a inversão da pirâmide etária têm mudado a percepção das empresas sobre esses profissionais.
“Esses dois fenômenos, acontecendo ao mesmo tempo, estão levando as empresas a revalorizarem os profissionais seniores. Com resiliência e capacidade de aprendizado, os 50+ estão ocupando não só cargos tradicionais e de gestão, como também funções ligadas à tecnologia, além de diversos cargos nos departamentos comercial e de atendimento”, explica Henkel.
O número de pessoas com 65 anos ou mais cresceu 57,4% em 12 anos, e a idade mediana da população brasileira aumentou de 29 para 35 anos entre 2010 e 2022. Estudos apontam que a população idosa deve crescer significativamente nas próximas décadas, alcançando quase 70 milhões de pessoas em 2050.
A contratação dos 50+ para as áreas comercial e de atendimento está relacionada à capacidade de negociação e de escuta ativa. Baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964) e geração X (entre 1965 e 1981) foram formados em um mundo analógico, no qual as interações pessoais eram determinantes no ambiente de trabalho.
Além disso, as empresas já compreendem que a própria sociedade está envelhecendo. Assim, os consumidores 50+, com maior capacidade de consumo ampliada pelo novo trabalho e pelo estágio de vida, preferem ser atendidos por profissionais que compreendam suas necessidades e desejos.
Por outro lado, pela primeira vez na história, cinco gerações convivem, inclusive dentro das empresas. Assim, as organizações buscam equipes mais diversas, incorporando diferentes faixas etárias para enriquecer o ambiente de trabalho com variadas perspectivas e habilidades. Equipes multigeracionais são consideradas um ativo, e os profissionais mais velhos ganham espaço nesse contexto.
“O desafio dos gestores e empresários é entender e criar um ambiente de convívio salutar, promovendo a integração para formar equipes em que um jovem não se sinta ameaçado pelo mais velho e este não tema conviver com quem domina mais a tecnologia. Essas empresas terão um ambiente mais cooperativo e inovador. Isso reflete o que acontece na sociedade. Neste momento de retorno ao trabalho presencial, as gerações mais antigas podem ajudar os mais jovens, mais habituados às relações digitais, a atuar com maior desenvoltura no mundo físico”, avalia o especialista.
Para atrair e reter a mão de obra 50+, não basta abrir um processo seletivo e efetivar a contratação. Se a expressão “marca empregadora” surgiu para atender aos anseios das gerações mais jovens na hora de preencher uma vaga, os profissionais seniores também aprenderam a valorizar suas qualidades e habilidades. Além da remuneração e do pacote de benefícios, a geração prateada observa, cada vez mais, o ambiente de trabalho em seus aspectos estruturais e ambientais, incluindo os cuidados com a saúde mental.
Os cuidados para criar um ambiente saudável contemplam também as limitações físicas dos 50+, ainda que essa geração apresente maior vigor físico do que as suas antecessoras nesta mesma fase da vida.
“A ergonomia deve considerar, por exemplo, eventuais perdas auditivas ou visuais. Antes, apenas os espaços domésticos eram adaptados para as pessoas mais velhas; agora, os ambientes laborais também precisam ser”, pontua.
Outro aspecto que deve ser considerado na contratação e integração dos 50+ diz respeito à linguagem. Jargões tecnológicos, gírias e até mesmo o uso de emoticons em mensagens corporativas precisam ser avaliados.
A relação desses profissionais com a tecnologia, inclusive com a inteligência artificial (IA), pode ser potencializada.
“Precisamos lembrar que o uso massivo da tecnologia e a entrada da internet no mundo corporativo começaram nas décadas de 1980 e 1990 por meio desses profissionais. Eles são capazes de aprender rapidamente. E, no caso da IA, ocorre algo muito interessante: pesquisas mostram que a geração Z possui metade do vocabulário das gerações X e baby boomers. Assim, os 50+ são capazes de elaborar prompts mais eficientes e explorar melhor todo o potencial da inteligência artificial. É uma questão de repertório”, destaca o fundador.
Fonte: Diário do Comércio