Pandemia acelera transformações no mercado de trabalho e aumenta a demanda por profissionais de áreas de maior conteúdo tecnológico ou ligadas à internet. Mas, em qualquer campo, disposição de ampliar conhecimentos faz a diferença
Ao longo dos últimos dois séculos, as revoluções industriais modificaram radicalmente as relações de trabalho. Trabalhadores que antes concentravam-se na produção agrícola do interior passaram a migrar para as grandes cidades em busca de mais renda e uma vida mais confortável. Já no século 21, as mudanças promovidas pela tecnologia são tantas que especialistas se referem como 4ª Revolução Industrial. Em um contexto de pandemia, no entanto, mudanças que eram esperadas para daqui a uma década ganharam mochilas a jato e chegaram muito mais rápido.
É o que aponta um estudo do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Segundo o levantamento, diversas áreas serão diretamente afetadas pela pandemia de covid-19, especialmente o setor de tecnologia e logística. Os profissionais dessas áreas deverão ter mais oportunidades de emprego no período pós-pandêmico. A demanda por serviços que antes não eram tão procurados cresceu exponencialmente, como é o caso das entregas e a contratação de produtos e assinaturas on-line.
Segundo o Senai, algumas das novas ocupações influenciadas pela pandemia são: analista de soluções de alta conectividade; especialista em logística; desenvolvedor de softwares para simulação de processos industriais; especialista em realidade virtual e aumentada; desenvolvedor de aulas para educação a distância e on-line; orientador para trabalho remoto; especialista em big data; e especialista em Internet das Coisas, entre outras.
Para entender a alta demanda por profissionais de tecnologia, basta olhar para os números das gigantes norte-americanas do Vale do Silício: Apple, Google, Amazon e Facebook atingiram, juntas, o valor de mercado de US$ 5 trilhões, segundo balanço divulgado no fim de julho. Ainda em julho, a Netflix, que oferece séries e filmes via streaming, chegou a ser avaliada em US$ 219 bilhões.
“O Senai, que é especialista no acompanhamento do mercado de trabalho, havia apontado a tendência de surgimento, em médio e longo prazo, de 30 novas ocupações devido à 4ª Revolução Industrial. A pandemia intensificou, de forma dramática, esse processo de atualização tecnológica, o que deve antecipar para 2021 e anos seguintes uma demanda que estava prevista para daqui a cinco ou 10 anos”, diz o diretor-geral da entidade, Rafael Lucchesi.
Profissionais de outras áreas já existentes, detalha o estudo, deverão buscar aperfeiçoamento. É o caso de técnico em telecomunicações; técnico em mecatrônica e automação industrial; eletricista; técnico em logística; programador multimídia; técnico em jogos digitais; técnico em redes de computadores, entre outros.
As previsões são feitas com base no Modelo Senai de Prospectiva. Ele permite identificar quais serão as tecnologias utilizadas no ambiente de trabalho e as mudanças na estrutura das empresas a médio e longo prazos. O método já foi reconhecido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como exemplo na identificação de áreas profissionais mais demandadas por empresas no futuro.
Capacitação
Para Francisco Antônio Coelho Júnior, do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB), a pandemia gerou várias transformações sociais e econômicas que impactaram, principalmente, as áreas ligadas à tecnologia. “Neste contexto, a capacitação, principalmente tecnológica, vai ser mais requerida. Ao mesmo tempo, a gente fala em competências profissionais, como a resiliência, que é a habilidade de lidar com crises e ter estratégias para seguir em frente”, diz o professor.
Para driblar o momento de crise e ter melhores chances no mercado, é essencial, segundo ele, saber atuar em diferentes áreas. “O mais importante é a diversificação dos conhecimentos, habilidades e competências. O mercado de trabalho antes da pandemia já requeria pessoas mais generalistas, que buscassem mais informações, especializações em diferentes áreas. A pandemia também acelerou isso. O indivíduo precisa ter repertório diversificado, saber trabalhar em equipe, e possuir conhecimentos técnicos. E isso depende de uma formação mais ampla.”
“O movimento que nós temos atualmente é da conversão de produtos e processos, tidos como físicos ou analógicos, para o mundo digital”, explica Anderson da Silva Soares, professor de Inteligência Artificial, formado em engenharia eletrônica. “Mesmo serviços que, de alguma forma, precisam ser físicos, como entregas e compras, migraram parcialmente para o mundo digital. O que acontece é que surgem novas profissões, novas demandas, porque você tem novos problemas. Ao mesmo tempo, outros postos de trabalhos vão sendo eliminados ou reduzidos”, observa.
A falta de qualificação, na avaliação de Anderson, pode gerar uma grande onda de desemprego. “Assim como a última revolução industrial gerou novos postos de trabalho e eliminou outros, o que se espera, agora, é aproveitar os benefícios e mitigar os efeitos colaterais. Nós precisamos ter uma qualificação em massa, ou vamos gerar um desemprego em massa”, comenta.
Uma das áreas que foram diretamente afetadas pela crise foi a produção de conteúdo, seja para fins educacionais ou marketing de empresas. Os profissionais dessa área passaram a ser mais requisitados, por sua facilidade de adaptação a novos meios. É o que explica André Fróes, CEO da Aceleradora Cotidiano, que impulsiona e investe em startups.
“Uma atividade que foi muito demandada durante a crise foi produção de conteúdo para o formato digital, como e-books e vídeos. Ela precisou passar por mudanças rapidamente. Então, esses profissionais souberam se aproveitar desse momento para buscar mais conhecimento e serem mais valorizados. De forma geral, é correto dizer que profissionais de praticamente todas as áreas precisam desenvolver habilidades para sua profissão, agora no ambiente digital. Essa é a principal mudança que está impactando todas as profissões”, completa.
Fonte: Correio Braziliense
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