Diz a sabedoria milenar que as grandes crises são sempre carregadas de oportunidades de inovação. Ainda que não seja exatamente uma inovação, visto que já é aplicada em boa parte do mundo, a telemedicina pode ganhar impulso no Brasil.
Em meio à pandemia do Covid-19, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 467 com disposições sobre ações de telemedicina que contemplam a emissão de receitas e atestados médicos a distância. O normativo operacionaliza medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública e foi publicado no Diário Oficial da União (DOU), na edição do dia 23 de março.
No artigo 2º o documento impõe: “As ações de Telemedicina de interação a distância podem contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como na saúde suplementar e privada.
Parágrafo único. O atendimento deverá ser efetuado diretamente entre médicos e pacientes, por meio de tecnologia da informação e comunicação que garanta a integridade, segurança e o sigilo das informações”.
Para a presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM), Cláudia Navarro, a telemedicina é uma realidade em todo o mundo e deve ter a discussão a seu respeito retomada ao fim da crise sanitária.
Em 2019, o Conselho Federal de Medicina (CFM) chegou a publicar uma normativa sobre o tema, mas diante de muitos questionamentos o documento foi revogado e foi aberta uma consulta pública. “O CFM reconhece a importância da telemedicina e já está na hora dela ser discutida e implementada no Brasil. Por outro lado, é importante lembrar que a Portaria 467 é válida apenas enquanto durar a pandemia. Temos ainda muita coisa a ser discutida e a crise pode, sim, ter deixado clara a necessidade desse processo’, explica Cláudia Navarro.
Atendimento remoto – Para enfrentar o Covid-19, a Unimed-BH lançou uma série de ações, entre elas o atendimento remoto por meio de consultas on-line. Nele, o paciente responde algumas perguntas sobre os sintomas que apresenta e sobre o histórico de viagens ou contato com casos suspeitos e confirmados e, em seguida, é direcionado para o agendamento.
Para clientes com suspeita da doença que estão em isolamento domiciliar, a Unimed-BH também está oferecendo o telemonitoramento diário. O serviço funciona da seguinte maneira: após o diagnóstico da suspeita, o paciente que está isolado em casa é acompanhado diariamente durante os 14 dias de quarentena, identificando se houve piora ou melhora do estado de saúde. Em caso de piora dos sintomas, a equipe orienta o paciente sobre o melhor percurso assistencial.
Seguindo o protocolo do Ministério da Saúde, os clientes são aconselhados a evitar os pronto-atendimentos. O objetivo é diminuir o risco de contaminação e o aumento do tempo de espera das urgências.
Segundo o presidente da Unimed-BH, Samuel Flam, as consultas on-line se tornaram uma ferramenta para facilitar o isolamento social no momento em que a pandemia do Codiv-19 atinge em cheio o Brasil. “Diante das características dessa pandemia, vimos a possibilidade de criar um serviço para realizar consultas on-line e incentivar o isolamento domiciliar – medida tão importante nesse momento. O histórico de outras epidemias respiratórias nos mostra que a sala de espera dos hospitais é o maior ponto de contágio. Dessa forma, o nosso objetivo com essa iniciativa é garantir o acesso dos clientes ao atendimento médico no momento em que precisam, sem que eles tenham que sair do isolamento social. Com esta ação, geramos mais segurança aos clientes e à equipe de profissionais da assistência”, afirma Flam.
A experiência atual pode se tornar um aprendizado fundamental para o sucesso – do ponto de vista médico e de negócios da telemedicina de forma mais profunda no Brasil em um futuro próximo, tanto no setor público como no privado.
Além da equipe de atendimento, formada pelos médicos, no caso da Unimed-BH, foi preciso contar com um grande apoio da equipe administrativa e de enfermagem que dá suporte ao serviço. No momento, são mais de 80 médicos comprometidos com esse formato de atendimento.
“Claro que para colocar o serviço de consulta on-line em funcionamento tivemos que nos organizar internamente e pudemos contar com apoio de várias áreas para implementar a iniciativa em tempo recorde. Em poucos dias, criamos a infraestrutura para a realização das consultas, com computadores e toda o suporte tecnológico para os médicos. Além disso, montamos as equipes médicas e fizemos a capacitação desses profissionais para atendimento usando a nova ferramenta, conforme protocolo clínico e de acordo com as recomendações vigentes”, pontua o presidente da Unimed-BH.
Salto para o futuro – A Rede Mater Dei de Saúde também se prepara para um “admirável mundo novo” que chegou sem pedir licença. Com um alto investimento em tecnologia e inovação nos últimos anos – cerca de R$ 200 milhões -, a empresa mantém um “Comitê de Medicina do Futuro” que se reúne semanalmente.
Para o diretor de Novos Negócios do Mater Dei, Luís Márcio Araújo Ramos, a pandemia demonstrou a necessidade de regulamentação dos usos da telemedicina no Brasil e a crise antecipa um cenário que já estava às portas da realidade brasileira.
“Essa crise nos oferece um momento de muito aprendizado, incorporando novas tecnologias, revendo processos assistenciais, revisando os fluxos de pacientes, por exemplo. É um grande esforço para garantir a segurança dos pacientes – com suspeição do Covid-19 ou não – e das equipes. Aí entra a telemedicina. Ela garante o isolamento e, como isso, a segurança de profissionais e pacientes. A primeira resolução do CFM sobre o tema foi em 2002, mas nunca avançamos tanto nessa discussão como nos últimos 15 dias”, analisa Ramos.
A tecnologia já se faz presente no cotidiano das unidades da rede através das cirurgias robóticas feitas pelo robô Da Vinci e as práticas de telemedicina – como a teleorientação de equipes e a tele-educação utilizada em treinamentos.
A expectativa é de que as regulamentações necessárias vindas dos âmbitos do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina venham logo.
“Acreditamos que a telemedicina poderá ajudar o setor de saúde do Brasil em vários aspectos. Após a pandemia do coronavírus, todo o setor poderá fazer uma avaliação do que deu ou não certo e como isso poderá ser aplicado no dia a dia a serviço da população. No âmbito da saúde pública, sabemos que ainda existem muitas barreiras tecnológicas e econômicas que impedem levar esse serviço a grande parte das pessoas. Certamente teremos a oportunidade de discutir sobre a telemedicina à luz de uma experiência já vivenciada, o que é muito rico. Acredito que órgãos de saúde, públicos e privados, continuarão colocando esse assunto em pauta”, completa o presidente da Unimed-BH, Samuel Flam.
“Falamos em indústria 4.0 nos esquecendo que a saúde também é uma indústria com uma cadeia produtiva muito extensa. O natural barateamento da tecnologia vai permitir que a telemedicina seja cada vez mais usada e com resultados sempre melhores. Isso, claro, vai exigir investimentos, treinamento e uma mudança de cultura. E isso acontece, quase naturalmente, à medida que transformação vai acontecendo. Isso vai permitir ao profissional de saúde – não apenas aos médicos – se voltar para aquilo que essencialmente só ele pode fazer, que é cuidar, oferecer acolhimento a quem precisa, municiado de conhecimentos, sem abrir mão dos preceitos científicos”, defende o diretor do Mater Dei.
Fonte: Diário do Comércio
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