O “não”, que é tão mal-visto e tão condenado, também pode ser uma fonte rica de novas ideias.
Essa palavra tem apenas três letras, mas, nossa, como é difícil de falar. Você sente que pode decepcionar alguém, que não está sendo prestativo, que pode parecer preguiçoso, que vai deixar uma oportunidade escapar, que pode irritar o outro e, assim, a lista continua.
Uma série de sensações e sentimentos que descrevem o que se passa dentro de nós quando dizemos algo tão simples — e tão complexo ao mesmo tempo. Por que isso acontece?
Por se tratar de uma negativa, o “não”, talvez, seja injustamente associado a algo sempre ruim, um destruidor de sonhos e de possibilidades. Mas pare um minuto e pense no que significa uma sequência de “sim” distribuído sem nenhum critério.
Sabe aquele “sim” que sai da nossa boca sem pensar, que faz com que a nossa agenda tenha mais compromisso do que as 24 horas do dia, que é simpático, mas que promete coisas que não pode ou não consegue (pelo menos não naquele momento) cumprir? É dele que estou falando.
Dizer “sim” é firmar um compromisso e o problema de ter essa resposta na ponta da língua para absolutamente tudo é que ela pode comprometer a qualidade da entrega, os prazos estipulados, a atenção aos detalhes, a segurança do processo e, acima de tudo, pode comprometer a saúde.
Isso porque dificilmente conseguiremos atender a tudo e a todos sem perder algo no caminho e, muitas vezes, para não “manchar” nossa carreira, sacrificamos as noites de sono, uma alimentação saudável, o tempo com as pessoas que amamos, enfim, a nós mesmos.
Invertemos as prioridades e deixamos de lado as necessidades básicas do ser humano, mas, como diversos convidados nos ensinaram no Reset, evento online do Grupo Cia de Talentos e da startup Bettha.com, o “não” precisa ter um lugar nas nossas vidas.
A sua palavra é a sua garantia, por isso recusar educadamente uma proposta ou um pedido é tão importante e tão valioso quanto dizer “sim”. Avaliar o momento de um e de outro, veja bem, é um sinal de maturidade pessoal e profissional.
É também um sinal de autoconhecimento e de que, como Izabella Camargo explicou no evento, você sabe os seus limites. Quer uma dica de como identificar essa “linha invisível”? Pergunte a si mesmo: até onde posso ir sem comprometer a qualidade da minha entrega e sem comprometer o tempo necessário para cuidar de mim mesmo? Esse é um bom ponto de partida.
O “não”, que é tão mal-visto e tão condenado, coitado, também pode ser uma fonte rica de novas ideias. Pode parecer estranho, mas, na conversa com a cantora Anitta, Daniel Wakswaser, vice-presidente de marketing da Ambev, explicou que poder discordar e falar abertamente que não gostou de algo em uma conversa de trabalho é parte do processo de inovação.
No meio do debate de ideias, falar “sim” pode ser mais fácil: encurta a reunião e pronto. Porém, o “não”, às vezes, nos faz refletir mais sobre o assunto, rever pontos de vista e pensar em alternativas.
Saber quando dar uma ou outra resposta, contudo, não é fácil — principalmente quando já entramos no piloto-automático e balançamos a cabeça afirmativamente sem nem piscar. Para mudar esse hábito, além de avaliar o seu limite, aprenda a fazer mais perguntas antes de, rapidamente, entregar uma resposta.
Peça, por exemplo, detalhes da demanda. Entenda exatamente qual é o escopo do trabalho para, então, avaliar qual é o tempo necessário para realizá-lo com qualidade.
Pergunte também o prazo, afinal o tempo é fundamental para definir o processo, se será necessário ou não envolver mais pessoas, qual é a melhor forma de conduzir o trabalho e por aí vai. E não se esqueça de avaliar se a solicitação atende à estratégia da empresa e da sua área.
Se o tempo é escasso, esse é um fator determinante para saber diferenciar o que é urgente do que pode ser deixado para depois e do que pode ser delegado — falaremos melhor sobre isso em outro artigo.
Como falar “não”
Agora que você segurou aquele “sim” automático e avaliou melhor a situação, o próximo passo é aprender a falar “não” — claro, se for este o caso.
Como escrevi lá no começo, eu sei que é difícil, mas pense que, como já expliquei, um “não” bem justificado é tão valioso quanto um “sim” verdadeiramente comprometido. Além disso, uma resposta negativa não precisa ser para sempre. Às vezes, é só um “não” temporário, para aquele momento, diante daquelas circunstâncias.
Explicar o porquê da sua recusa é fundamental para evitar aqueles sentimentos todos que descrevi. Se você entende o porquê e consegue explicar para o outro, já tem meio caminho andado. Vale também dizer “não” e, junto, oferecer uma alternativa: outro prazo, outro colega que tem disponibilidade e poderia contribuir com o projeto, outra forma de obter aquele resultado.
Dito tudo isso, é importante apenas incluir uma ressalva: não torne o seu “não” em um capricho. O que quero dizer é que a sua resposta não deveria ser fruto de uma implicância, um viés que faz com que você torça o nariz para a pessoa e o seu pedido, uma má vontade com algo ou com alguém, um sinal de pouca flexibilidade.
A moral dessa conversa não é que só devemos dizer “sim” para aquilo que gostamos ou queremos fazer, mas para aquilo que conseguimos e devemos nos comprometer.
Afinal, uma série de “nãos” mal calibrados é tão danosa quanto uma sequência compulsiva de “sims”. O segredo é não automatizar as respostas e entender que, para cada situação, teremos uma sequência ideal de três letrinhas simples, mas que merecem um pouco mais da nossa atenção no dia a dia.
Fonte: Exame